Tag: Heráldica Portuguesa

Apontamentos de Heráldica

Eu sou um estudante muito displicente. E um blogueiro ainda mais displicente. Nestes últimos oito ou nove anos em que estou pesquisando sobre brasões, nunca consegui sistematizar muito do meu aprendizado. E esse blog então… Vive bem parado. E já que eu pessoalmente não consigo fazer muito disso, hoje trago-lhes a sugestão de leitura de alguém que consegue: O Miguel Linhares, membro do nosso Grupo no Facebook iniciou no começo do ano um excelente blog, o Apontamentos de Heráldica. Se alguém aqui ainda não conhecia, peço que imediatamente encaminhe-se para a leitura por lá.

Armas do Miguel Linhares, do Blog Apontamentos de Heráldica

 

Sendo um excelente professor e tradutor, o Miguel tem trazido dezenas de conteúdos muito interessantes, que contribuem e muito para o estudo de Heráldica. Em apenas 10 meses de publicação, o blog já tem mais de 140 publicações. É algo que este displicente que vos escreve nem sonha! O Apontamentos de Heráldica se tornou rapidamente o meu blog preferido sobre a matéria, porque o autor é um grande estudioso da matéria. A partir da análise e da tradução de armoriais e tratados, especialmente em Latim, sobre Heráldica, o Miguel fornece subsídios valiosos para todos nós, que temos interesse na área.

É uma leitura obrigatória para quem quer aprender mais sobre isso!

Na biblioteca: Elucidario Nobiliarchico

Adicionando mais volumes à Biblioteca do Site nesta segunda! O Elucidario Nobiliarchico foi uma publicação capitaneada por Afonso de Dornelas, fundador do nonagenário Instituto Português de Heráldica. O IPH, ainda que não responda às minhas mensagens, é uma instituição de grandessíssima valia para os interessados em Heráldica Luso-Brasileira. Falta-lhes, contudo, uma presença virtual mais forte, como a maioria das instituições heráldicas do século passado.

Selo IPH tratado - Elucidário

Selo do Instituto Português de Heráldica.

O Instituto foi fundado em Julho de 1929, enquanto Dornelas publicava a segunda edição do Elucidario. Decerto, esta terá sido a razão de não termos tido mais edições. Esta publicação foi substituída pela revista Armas e Troféus, publicação do IPH que é editada até os dias atuais.

O Elucidario Nobiliarchico foi uma edição fasciculada, um método de publicação que parece ser recorrente entre as obras heráldicas dos primeiros trinta anos do século passado. As publicações eram mensais, e foram publicados vinte e quatro fascículos. O primeiro volume é de 1928, e o segundo de 1929. Ao fim das doze publicações de um ano, contudo, elas poderiam ser compradas todas juntas. Por uma módica quantia, ainda podiam ser encapadas a couro.

O Elucidario dividia-se primariamente em duas seções: A primeira, de heráldica de domínio das cidades portuguesas, imagens e descrições de cartas de armas

Tendo já se passado mais de setenta anos do falecimento de Dornelas, suas obras passam a ser de domínio público. Para honrá-lo e demonstrar gratidão pelo seu trabalho, dedicamos esta publicação à sua memória. Que possa esta publicação alcançar a todos os leitores e que saibam estes quem foi seu editor. Ainda mais, que conheçam seu contributo para a Heráldica.

A edição que adquirimos, evidentemente digital, é uma digitalização dos vinte e quatro fascículos originais, pertencentes à Hemeroteca Municipal de Lisboa. Felizmente, está em ótimas condições. De facílima leitura. Clique no link abaixo para ir até a seção da biblioteca onde se encontram os volumes.

Elucidario Heraldico (1928-1929)

Em tempo, mais edições serão adicionadas esta semana. Também aceitamos sugestões e volumes digitais para serem adicionados. Se você possuir um volume autoral ou em domínio público que queira compartilhar, basta enviar para nós que adicionaremos à Biblioteca do site. Não podemos adicionar livros protegidos por direitos de autor, afinal não queremos ser tirados do ar por pirataria.

Um brilhante manuscrito

Primeiramente, quero desejar um feliz ano novo a todos vocês! Estamos começando mais um ano no Heráldica Brasil, que será de muitos planos, ideias para colocar em prática, novidades na biblioteca e muito mais! Para iniciar o ano, teremos algo bem especial. Vamos passar por Roma, por Portugal, pela Índia e vamos até o Japão com um único manuscrito.

Encontrei um belíssimo manuscrito entre as minhas antigas publicações na página do Facebook. Olhando-o novamente, percebi que estava deixando passar não só um belíssimo documento histórico, mas uma peça heráldica de valor inestimável.

Carta do Vice-Rei da Índia, Duarte de Meneses, ao Daimyō do Japão, Toyotomi Hodeyoshi
O Manuscrito de Meneses a Hideyoshi.

Ao mui alto e poderoso Kwambaku-dono, (escreve) Dom Duarte, Vice-Rei da Índia.

Como quer que pela distância das terras não houve até agora entre nós comunicação, todavia pelas cartas dos padres que estão nesses reinos de Vossa Alteza soube a grandeza de vossas vitórias e obras e a fama e nome, que ainda nas partes que estão mui longe se ouve de Vossa Alteza e como sujeitou a seu império os maiores senhores e reinos das quatro partes do Japão, coisa que nunca fora ouvida desde os antigos até agora, o que sem dúvida é admirável o favor do céu e coisa de grande admiração, de que grandemente me alegro.

Soube também que os padres que estão nestes reinos recebem muitos favores de Vossa Alteza, e com o resplendor de seu favor, vão promulgando, pregando e ensinando a lei para salvar os homens, os quais são religiosos destes reinos dignos de veneração, que conforme a seu instituto passam a todas as partes do mundo para ensinar o verdadeiro caminho da salvação, e ao saber deles os favores que Vossa Alteza lhes faz, me tenho alegrado muito.

E por eles me pedirem que escrevesse a Vossa Alteza, e lhe mandasse um embaixador dando-lhe as graças disto, folguei de o fazer. E porquanto o Padre Visitador estes anos atrás foi outra vez a esses reinos de Vossa Alteza e é conhecido nessa terra, lhe encarreguei esta embaixada, e peço a Vossa Alteza que que daqui em diante mais e mais o queira favorecer. E podendo destes reinos servir a Vossa Alteza em alguma coisa folgarei muito de o fazer.

Em sinal de amor mando a Vossa Alteza dois montantes, dois corpos de armas, dois cavalos com seus arreios, dois pistoletes e um terçado, dois pares de guadamecis dourados e uma tenda para campo.

Feita nestes reinos da Índia no mês de Abril do ano de 1588.

Vice Rei da Índia

Afinal, que manuscrito é esse?

Este manuscrito é uma carta de Duarte de Meneses, Vice-Rei da Índia, ao Daimyō do Japão, Toyotomi Hideyoshi. A transcrição e a adaptação são nossas. A carta, toda cheia de mesuras e cortesias, merecia uma discussão por si só, se pensássemos no contexto histórico, cultural e social em que foi escrita. Segundo fontes de história japonesa, ao contrário do que a carta faz parecer, Hideyoshi era extremamente hostil aos cristãos. Supõe-se, então, que Duarte de Meneses oferecia-lhe presentes como forma de tentar intercedes pelos missionários portugueses que lá iam pregar. Mas há ainda mais coisa que faz deste documento uma peça única. E para mim, deveria receber a atenção de todos os heraldistas. Notem a quantidade de insígnias existentes. Pelas minhas contas atuais são seis, deixando de contar as que se repetem.

Contando a História Romana aos Japoneses

No canto superior direito da imagem, há um escudo de vermelho, com uma cruz e a divisa SPQR posta em banda entre dois filetes do mesmo, tudo de ouro. Armas estas que representam tradicionalmente o Senado Romano. Até os dias atuais, estas armas, sem os filetes, são as armas de Roma. 

No canto superior esquerdo, um escudo de azul com um contrachefe cosido de verde, sobre o qual uma loba de sua cor amamenta dois bebês humanos de carnação. Estas armas referem-se à fundação de Roma, e uma versão similar é apresentada, posteriormente. No primeiro Thesouro de Nobreza de Francisco Coelho Mendes, Rei de Armas Índia, produzido cerca de noventa anos depois, veem-se armas similares.

O Heraldry of the World tem uma página dedicada as armas relatadas à Cidade Eterna. Recomendo a visita nos links deste parágrafo.

Mais para o centro da parte superior do manuscrito, vê-se um terceiro escudo, de vermelho, com um raio de ouro, característico da Legião Romana. E há ainda um quarto, de azul, com uma cabeça de leão de ouro. Quanto a este, eu infelizmente não tenho informações. No entanto, se alguém souber de algo, esteja sempre à vontade para entrar na conversa.

Um Brasão para o Vice-Reino da Índia?

Supostas Armas do Vice-Reino da Índia no manuscrito.

Outro brasão do qual eu não tenho notícia anterior ou posterior é o quinto, que aqui aparece nas duas laterais da carta. Eu o leria como um escudo de azul, um crescente de ouro, contendo cinco besantes de ouro, postos em sautor. A interpretação me parece simples aqui. São as quinas de Portugal, acompanhadas por um crescente, símbolo comum no levante. Minha teoria é de que sirvam para representar, ainda que de forma extra-oficial e nunca registrado, o Vice-Reinado da Índia. Pode-se notar muita coisa na imagem ao lado.

O timbre destas armas é de fato, um mistério. Posso perceber figuras como de um elefante e uma tartaruga ou serpente. A minha teoria é que este timbre alude ao mito hindu das criaturas que sustentam o planeta em suas costas: A tartaruga (ou serpente) e o elefante. Mais sobre esse mito, que é de fato pouquíssimo conhecido, eu encontrei no blog Índia, um país místico.

Contatos entre a heráldica ocidental e a “heráldica oriental”

No entanto, ainda que tenhamos passado por Roma e pela mitologia Hindu, não é ainda o fim. A insígnia mais interessante deste manuscrito não é exatamente um brasão. Vejam dentro do C capitular, numa espécie de escudo redondo. E reparem ainda como o próprio C é coroado por um arco adornado de pedras na ponta central.

Na verdade, esta é a representação de um emblema, ou em japonês, mon. O uso de Kamon (Mons clânicos) é bastante comum entre as classes superiores japonesas durante o período Sengoku. Este período, também conhecido como “Era dos Estados Beligerantes”, nos séculos XV e XVI, ficou famoso mundialmente por seus samurais.

E é justamente na época em que Duarte de Meneses está na Índia, como vice-rei, que Toyotomi Hideyoshi é o Shogun mais poderoso do Japão. O emblema que vemos na Carta intenciona representar o mon adotado pelo Clã Toyotomi, que em japonês, é chamado  Go-shichi no kiri (Em tradução livre, paulownia de cinco e sete). Hoje, este mon é utilizado pelo gabinete do Primeiro-Ministro do Japão.

Goshichi no Kiri
Emblema do Primeiro Ministro do Japão.

Cadernos “Barão de Arêde” na Biblioteca

Mais novidades sempre que possível, esta é a meta. Hoje, os Cadernos de Genealogia e Heráldica do Barão de Arêde foram adicionados a Biblioteca.

Monograma do Barão de Arêde Coelho. Imagem da Capa dos Cadernos.

Monograma do Barão de Arêde Coelho. Imagem da Capa do Caderno.

A Revista do Centro de Estudos de Genealogia e Heráldica Barão de Arêde Coelho é uma das melhores publicações heráldicas em língua portuguesa desta década. Dirigida pelo próprio Barão, Luís Soveral Varella, conta com escritos de grandes nomes da Heráldica Portuguesa dos nossos dias. Escreveram  para o Caderno nomes como Óscar Caeiro Pinto, Luís Camilo Alves, David Fernandes da Silva e Segismundo Pinto, além de tantos outros excelentes heraldistas do lado de lá do Atlântico, assim como o próprio barão.

Todos os volumes estão atualmente disponíveis no site do Centro, todavia solicitei a autorização do barão para copiar o conteúdo para a nossa Biblioteca, e com sua pronta aceitação, lá já estão, numa pasta própria, as sete edições já lançadas do Caderno.

Armas do Barão de Arêde Coelho. Imagem por Luís Camilo Alves.

Armas do Barão de Arêde Coelho. Imagem por Luís Camilo Alves.

Sem mais para hoje, fica reiterado o meu agradecimento ao Luís, cujas belíssimas armas ilustram esta publicação; e a todos uma boa leitura.

 

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