Categoria: Heráldica Pessoal

Poder e Dever em Heráldica

Esses dias eu estava lendo alguns textos sobre Heráldica na página da International Association of Amateur Heralds, e vi uma nota curtinha, do Presidente da entidade, Christian Green. É um tema tão básico, porém tão necessário, que eu me vi na obrigação de pedir-lhe autorização para traduzir e compartilhar com vocês, improváveis leitores. Ele trata de “poder” e “dever”. Mas não necessariamente nos sentidos “substantivos” da palavra.

Partido de vermelho e negro, uma coroa antiga rodeada de dez escudos, tudo de ouro.

Armas da IAAH. Desenho do heraldista russo Alexander Kurov.

O original só está disponível no grupo da IAAH no Facebook, então é meio difícil compartilhar. Mas passo a traduzir, esperando que esta adaptação faça jus ao conteúdo original:

Há uma diferença significativa entre “poder ou não poder” e “dever ou não dever”.

Eu “posso” ficar na chuva por uma hora sem um Guarda-Chuva. Eu “devo”? Não.

Em Heráldica, “pode-se” tudo: forma do escudo, esmaltes, figuras, suportes, tipo de elmo, usar armas concedidas a outras pessoas. Seja o que for, isso “pode” ser feito. Não existe uma autoridade heráldica mundial. As poucas autoridades nacionais existem tem meios limitados ou mesmo nenhum meio de lidar com “roubo” de armas (note-se o número de lojas vendendo “brasões de família”), assunção de armas ou desenhos terrivelmente ruins de artistas que cobram valores altíssimos por seus trabalhos.

“Mas eu devo?” Essa é uma questão de opinião, e nos círculos heráldicos, opiniões podem variar, dependendo da tradição heráldica à qual se é acostumado, bem como às convenções heráldicas gerais. Tomando as minhas próprias armas como exemplo:

Armas do Presidente da IAAH, Christian Green.

Elas foram confirmadas pelo College of Arms em 1985, então são 100% legais e estão de acordo com todas as convenções heráldicas consideradas válidas pelos arautos ingleses. Mas agora, eu vivo na Suécia, onde a “regra dos esmaltes” é levada consideravelmente mais a sério. Minhas merletas volantes de Ouro estão postas sobre um campo partido de prata e azul. Ouro sobre Prata? Sem problemas ou Choque e Horror? Meus amigos heráldicos suecos generosamente concordam que minhas armas passam como adequadas. Mas no fundo, eles não estão confortáveis. Mas continuando com os “pensamentos suecos”: Não há autoridade heráldica na Suécia, exceto para Heráldica Oficial e Cívica. Há um registro, que não tem status de oficial nem requerimentos para registrar; Pode-se simplesmente assumir armas. A situação é similar em muitas partes do mundo.

Mas “deveria” alguém simplesmente fazer o seu próprio caminho em heráldica, simplesmente porque “pode”? Eu sinto que, se alguém está sério sobre heráldica, este alguém deve seguir suas convenções o máximo possível, tendo em mente que elas podem variar de país para país. Este deveria, ao máximo, evitar de criar ou assumir armas que sejam propriedade de outros, ou que possam ser razoavelmente assumidas como sendo as armas de pessoas ou entidades conhecidas.

Deve-se, acima de tudo, ter em mente que heraldistas podem ser impiedosos em suas críticas de Heráldica percebida como má ou inapropriada.

A mensagem é clara, direta e óbvia. Não se deve tentar “burlar o jogo” só porque se tem conhecimento. Quem vive a Heráldica mais que todos os outros, sabe mais do poder que tem, e deve, o máximo possível, respeitar as suas particularidades, ou não será visto como tão diferente assim dos “aproveitadores”.

Brasão de Armas da Duquesa de Sussex

A Duquesa de Sussex, Rachel Meghan Markle, finalmente recebeu suas armas próprias, as mais esperadas pela comunidade heráldica neste ano.

Desde antes do casamento com o Príncipe Harry do Reino Unido, havia muita especulação sobre quais seriam as armas da Duquesa. Afinal, a relação conturbada de Meghan Markle com o seu pai parecia um problema para o College of Arms.

Explique-se: não se poderia seguir com o mesmo expediente do casamento anterior, quando o Príncipe William casou-se com Catherine Middleton. Na ocasião, o pai dela recebeu um brasão de armas, que foram modificadas para que a futura Duquesa de Cambridge tivesse assim suas próprias armas. No fim das contas, ocorreu o mais provável: Meghan ganhou seu próprio brasão.

Na manhã deste sábado, o Palácio de Kensington, residência dos Duques de Cambridge e Sussex, publicou a imagem abaixo, com as armas próprias da Duquesa:

As Armas da Duquesa de Sussex

As armas de Meghan Markle, Duquesa de Sussex: “De azul, duas bandas de ouro entre três penas de prata”, aqui num escudo partido com as armas de seu marido, o Duque de Sussex. Fonte: Palácio de Kensington.

Kensington publicou ainda uma nota tratando das armas da Duquesa, a qual reproduzo aqui, traduzida:

Um brasão de armas foi criado para a duquesa de Sussex. O design das armas foi acordado e aprovado por Sua Majestade a Rainha e pelo Sr. Thomas Woodcock (Rei de Armas da Ordem da Jarreteira e Heraldo Sênior na Inglaterra), baseado no College of Arms em Londres.

Sua Alteza Real trabalhou junto ao College of Arms durante todo o processo de design para criar um brasão que fosse pessoal e representativo.

O fundo azul do escudo representa o Oceano Pacífico ao largo da costa da Califórnia, enquanto os dois raios dourados do outro lado do escudo simbolizam a luz do sol do estado natal da Duquesa. As três penas representam a comunicação e o poder das palavras.

Sob o escudo, na grama, há papoulas douradas, a flor do estado da Califórnia, e wintersweet, flor que cresce no Palácio de Kensington.
É costume que suportes sejam designados para os membros da família real, e que as esposas dos membros da família real tenham um dos suportes provenientes das armas de seu marido e um relacionado consigo mesmas. O suporte da duquesa de Sussex é um Passeri com asas elevadas como se estivesse voando e um bico aberto, que como a pena representa o poder da comunicação.

Uma coroa também foi designada para a duquesa de Sussex. É a Coroa estabelecida por um Mandado Real de 1917 para os filhos e filhas do Herdeiro Aparente. É composto de duas cruzes patéas, quatro flores de lis e duas folhas de morangueiro.

As armas de uma mulher casada são mostradas juntas às de seu marido. O termo técnico em inglês é “impalled”, ou seja, colocados lado a lado no mesmo escudo. (em português, Partido)

Thomas Woodcock, Garter King of Arms, disse: “A Duquesa de Sussex teve um grande interesse no design. O bom design heráldico é quase sempre simples e as Armas da Duquesa de Sussex estão bem ao lado da beleza histórica dos quarteis das Armas britânicas. A heráldica como meio de identificação floresceu na Europa por quase novecentos anos e está associada a pessoas individuais e a grandes corporações, como Cidades, Universidades e, por exemplo, as Livery Companies na Cidade de Londres. “

As armas de Meghan, aludem a sua origem, o mar e o sol da Califórnia, além de sua realidade como comunicadora. As penas decerto se referem ao seu antigo blog, The Tig. O poder das palavras é, evidentemente, importante para a Duquesa de Sussex, como atriz, mas principalmente como ativista pelos direitos das mulheres.

Papoulas Douradas

A papoula dourada, emblema floral da Califórnia, era de fato esperada em algum lugar do brasão. Na carta de consentimento emitida pela Rainha Elizabeth II, por exemplo, as flores já haviam aparecido:

Emblema representando Meghan Markle na carta de consentimento. Fonte: Daily Telegraph.

O emblema acima traz o alho-poró, emblema floral do País de Gales, tendo em vista que os netos da monarca são filhos do Príncipe de Gales, acompanhado das papoulas californianas, além da Rosa, que é flor nacional dos Estados Unidos (e, de igual forma, da Inglaterra), e de dois ramos de oliveira, também provenientes das Armas Nacionais dos Estados Unidos. Sim, os Estados Unidos possuem um brasão de armas, mas isso é assunto para uma outra ocasião.

Por último, e não menos importante, uma recomendação para todos, direto do mais sênior dos heraldos britânicos, o Rei de Armas da Jarreteira:

O bom design heráldico é quase sempre simples e as Armas da Duquesa de Sussex estão bem ao lado da beleza histórica dos quarteis das Armas britânicas.

Pensem bastante nisso quando estiverem definindo suas armas pessoais.

Brasões de Família não existem

O título é auto-explicativo. Mas eu vou repetir, para ajudar a fixar. Brasões de Família não existem. Então não jogue o seu dinheiro no lixo.

A comunidade heráldica internacional é unânime, e nós no Heráldica Brasil também precisamos ser: Brasões são concedidos a pessoas, e não a famílias. O que existe é o brasão pessoal, que é passado de pais para seus filhos através de herança, como um livro, um quadro ou qualquer outra propriedade. Igualmente, isto vale também para os brasões das famílias reinantes nas monarquias modernas. Para a Heráldica, as armas não pertencem à família e muito menos ao estado, mas sim ao monarca como chefe de estado. Afinal governa-se em nome dele. E os seus parentes recebem brasões criados a partir do dele, como em todas as famílias armoriadas. E após a sua morte, as suas armas passam para o seu filho e sucessor no trono.

E como eu sei se tenho direito a um brasão?

Apenas através de pesquisa genealógica você pode descobrir se algum de seus ancestrais recebeu carta de brasão de algum monarca ou colégio heráldico. Caso não encontre, você não possui herança heráldica, o que não é um problema, afinal é o caso da maioria das pessoas. Não possuir parentes armoriados não te impede de criar o seu próprio brasão.

Entretanto, você NÃO PODE usar o brasão de alguém que não tem nenhuma ligação familiar com você. Isso é desonesto, além de ser de péssimo gosto.

O François Velde, idealizador do heraldica.org, cravou uma vez a seguinte máxima:

François Velde, sobre Brasões de Família.
Originalmente publicado no grupo Heráldica Brasil, no Facebook.

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